quinta-feira, 10 de maio de 2007

Maus tratos a menores - especial censurabilidade do agente.

Acórdão da Relação de Guimarães de 15.01.2007 - Sumário: Do acórdão - I - O Direito tem também uma função conformadora da sociedade, podendo impor a todos os seus membros determinados comportamentos, mesmo que alguns não se sintam ética ou moralmente vinculados a eles. II - São hoje inadmissíveis castigos pretensamente correctivos que seriam aceites (e até louvados) há 100 ou 200 anos. III - Castigar habitualmente menores de tenra idade, por urinarem na cama, consistindo tais castigos em agressões com um cinto, ultrapassa em muito as finalidades de correcção. IV - Sendo uma arguida pronunciada, tal como o arguido, seu marido, pela prática de quatro crimes de maus tratos p. e p. pelo artigo 152.º n.º 1 do Cod. Penal e entendendo-se que quanto a ela, não se verifica a existência de “uma relação de subordinação existencial, traduzida pelo facto destes (os menores) se encontrarem ao seu cuidado, à sua guarda, ou sob a responsabilidade da sua educação”, não pode ocorrer a condenação por tais crimes. V - Também se não pode condenar a arguida pela prática dos crimes de ofensa à integridade física qualificada, pois era necessário que na acusação os factos estivessem suficientemente discriminados (quanto a tempo, modo e lugar) de forma a permitirem a condenação pelo um crime de ofensa à integridade física. VI - No crime de maus tratos é indiferente, para que se possa afirmar estarem verificados os elementos típicos, determinar com exactidão quantas vezes foi reiterado o comportamento, pois o que está em causa, não é a punição autónoma de cada um dos actos que integram os maus tratos, mas um comportamento reiterado ao longo do tempo e a pronúncia balizou as circunstâncias em que tal comportamento persistiu. VII - Porém, não é assim no crime de ofensa à integridade física em que, em princípio, a cada agressão corresponde a prática de um crime e, para que possa ocorrer a “convolação”, é necessário que a acusação pelos maus tratos contenha uma narração de factos compatível com a condenação por um (ou vários) crimes de ofensa à integridade física e isso faz-se, normalmente, discriminando os episódios concretos. VIII - Além disso, a sentença não diz se os menores eram acordados em plena noite para serem submetidos ao castigo do banho frio, ou se este era dado de manhã quando acordavam e nada se diz também sobre se os episódios em causa ocorreram no Verão ou no Inverno, não tendo o mesmo desvalor penal um banho frio dado na madrugada duma noite gélida de Inverno e um banho (igualmente frio) que tiver sido ministrado numa manhã de Verão - Do voto de vencido - IX - A relação de subordinação prevista no nº 1 do artº 152º é a que deriva de determinadas condições factuais concretas, abrangendo todas aquelas situações em que, com carácter estável ou mesmo temporário, alguém tem o encargo da protecção, guarda ou orientação educacional ou laboral de um menor ou de pessoa particularmente indefesa. X - Entender a “confiança” consignada nesse tipo legal apenas como aquela que deriva de um acto judicial ou institucional é, por exemplo, deixar fora da punição, além de outros casos, os pais que não têm a guarda dos filhos por estes terem sido “confiados” à guarda e cuidados das mães e também os padrastos, não fazendo sentido, com o devido respeito se afirma, que se faça depender a “confiança” da situação de dependência material, tal como se diz no acórdão do S.T.J. ao qual a decisão recorrida aderiu. XI - No caso concreto, a confiança, por via judicial, apenas ao arguido, visou satisfazer determinadas exigências legais, que não restringir a acção protectora e orientadora apenas a esse familiar, estando implícito que essa acção se estendia à pessoa com quem o avô vivia, em união matrimonial. XII - A mulher do avô não era apenas - e que fosse - a empregada doméstica dos menores, derivando a sua função tutelar do simples facto de ser casada com o arguido. XIII - Se a conduta da arguida foi considerada estranha à função de protecção, guarda e orientação, pelo menos não pode deixar de ser considerada reveladora de uma muito especial perversidade, a integrar a previsão do artigo146.º, cujas circunstâncias típicas são meramente exemplificativas. XIV - No caso, a especial censurabilidade da arguida está ostensivamente revelada, porquanto, as vítimas, além de serem crianças e, portanto, naturalmente indefesas, encontravam-se numa situação de grande proximidade com a arguida, vivendo em casa desta, com a sua família. XV - A localização temporal das condutas da arguida vem, para o que interessa, bem delimitada entre 10 de Outubro de 2001 e 7 de Novembro de 2002, sendo impossível melhor determinação e esta forma de alegação do Ministério Público, que, tendo em vista o crime de maus tratos, não tinha outros elementos, é bastante para a integração do citado crime do artigo 146.º, sem que se mostre violado o tema acusatório e qualquer direito de defesa, notando-se que o artigo 283.º do C.P.Penal estabelece, compreensivelmente, que o lugar e o tempo da prática dos factos devem ser incluídos na narração, se possível e não com precisão rigorosa. XVI - Quanto à questão suscitada no acórdão em causa sobre a não punição por tantos crimes quantos os banhos de água fria dados pela arguida aos menores, e sobre as hipóteses das condições climatéricas abordadas, apenas relembraremos que os menores estiveram com a arguida desde Outubro de 2001 até Novembro de 2002, e não é crível que apenas “tomassem banho” no Verão e, mesmo que assim fosse, parece-nos não haver dúvidas de que, apesar do menor choque físico, a malvadez era exactamente a mesma, tanto mais qoe os relatórios psicológicos dos menores, também eles fundamento da matéria de facto, são claros: as crianças foram recorrente e violentamente vitimizadas, quer física, quer psicologicamente.

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