Acórdão da Relação de Guimarães de 30.10.2006: Sumário: I – A publicação num jornal de um artigo sob o título “Lápides e medalhas” no qual, além do mais, refere: “É por demais evidente que o sr. Presidente da Junta tem um “pó” do caraças ao nosso presidente da Câmara (…) o envio da medalha é o complemento da anterior burrice do descerramento da lápide na inauguração da sede da junta, perpetuando uma baixa canalhice” … e ainda “Vá-se acomodando à realidade e veja se aprende a destrinçar o institucional do que não é, que mesmo para um insignificante mestre-escola de aldeia não deve ser muito difícil”, não constitui ilícito penal.II – Na verdade, “ter um pó do caraças” a alguém não é ofensiva da honra de quem quer que seja, pois que ter pó de alguém ou de alguma coisa é uma expressão popular relativamente recente que significa tão somente detestar alguém ou alguma coisa.III – Quanto ao “envio da medalha”, o arguido não apelidou o assistente de burro ou de canalha, pois apenas classificou as acções políticas do envio da medalha e do descerramento da lápide como de “burrice” e “canalhice”, o que é coisa totalmente distinta, devendo, nessa medida, aquela critica reputar-se como atinente exclusivamente à actividade política do assistente, não se dirigindo à pessoa do assistente, cuja pessoa não foi desconsiderada, e embora a crítica política não tenha sido, seguramente, levada a cabo com polidez ou delicadeza, não pode considerar-se, apesar disso, considerar-se como atentatória da honra e consideração devidas ao assistente. IV – Quanto à expressão “Vá-se acomodando à realidade e veja se aprende a destrinçar o institucional do que não é, que mesmo para um insignificante mestre-escola de aldeia não deve ser muito difícil”, também aqui julgamos que a expressão não tem relevância penal uma vez que o ataque não é dirigido à pessoa do professor do ensino básico, mas ao político, presidente da junta de freguesia, pois que no fundo a mensagem que o arguido pretende deixar vincada é apelar ao homem político, para aprender a distinguir o que é institucional do que não é, o que para ele assistente, professor primário e por isso com longa experiência no ensino de crianças, não deverá ser difícil de realizar, não podendo, pois, destas palavras, de modo algum, extrair-se o sentido de que o assistente era uma pessoa intelectualmente diminuída. V – Ou seja: estamos, indubitavelmente perante opiniões criticas, violentas, truculentas, indelicadas, que chocam, que ferem a sensibilidade, que incomodam e feriram a sensibilidade do assistente, mas importa não esquecer o contexto em que foram proferidas, no âmbito do combate político, sendo o assistente uma figura pública por desempenhar um cargo político, e que, como é bem vincado no douto Ac. da Rel. do Porto de 28-6-2006 (proc. 0612206, rel. Borges Martins), “Na luta política pode considerar-se legítimo o uso de frases ou expressões que, no âmbito das relações privadas, seriam ofensivas”, pelo que se nos afigura que a conduta do arguido não pode ser responsabilizada criminalmente. VI – A este respeito julga-se importante referir que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem reiteradamente sublinhado, o carácter essencial da liberdade de expressão numa sociedade democrática, que vale também para as informações e ideias que ferem, chocam ou inquietam já que além da substância das ideias e informações expressas, o artigo 10° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem também protege o seu modo de difusão, pois assim o querem a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há sociedade democrática, e que os limites da crítica admissível são mais latos relativamente a um homem político do que para um simples cidadão. VII – Assim é que, por exemplo, quer no caso Oberschlick contra a Áustria em que um conhecido político alemão se queixou de um jornalista que num artigo o apelidara de “imbecil”, quer num caso contra Portugal, em que um também conhecido jornalista português fora condenado pelo Tribunal da Relação de Lisboa por ter utilizado expressões relativas a determinado político, candidato à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, tais como “grotesco”, “boçal” e “grosseiro” os quais foram considerados insultos que ultrapassavam os limites da liberdade de expressão, o TEDH concluiu pela violação do artigo 10° da Convenção pelas autoridades austríacas e pelas autoridades portuguesas, respectivamente, considerando nomeadamente que: “O homem político expõe-se inevitavelmente e conscientemente a um controlo atento dos seus dizeres e gestos, tanto pelos jornalistas como pela massa dos cidadãos e deve mostrar uma maior tolerância, sobretudo quando faz declarações públicas que se prestam à crítica. Certamente tem direito a ver protegida a sua reputação, mesmo fora do quadro da sua vida privada, mas os imperativos desta protecção devem ser ponderados com o interesse da livre discussão das questões políticas, e as excepções à liberdade de expressão convidam a uma interpretaçãoestreita.” http://www.gde.mj.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/b3f252ed636967a680257284004a5029?OpenDocument
sexta-feira, 30 de março de 2007
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